História da Eletroquímica

A verdadeira natureza da eletricidade não pode ser entendida sem o conhecimento químico

– Mikhail Lomonossov

A eletroquímica se desenvolveu a partir das contribuições únicas de pesquisadores e cientistas famosos nos 150 anos entre 1776 e 1925 e sua história está repleta de grandes avanços na tecnologia que ajudaram a definir a produção (revolução) industrial e a vida diária no século XXI, infundindo suas descobertas iniciais em todos os aspectos da ciência moderna – aliás, é justo dizer que nenhum cientista atual utiliza um computador ou instrumento eletrônico sem corrente elétrica (BREITKOPF; SWIDER-LYONS, 2017).


Esta história está ligada diretamente à invenção da pilha elétrica por Alessandro Volta, em 1800, ao empilhar discos de zinco e prata alternadamente. A propósito, esta bicentenária invenção, abrilhantada por impressionantes melhorias, está presente em nosso cotidiano, fazendo parte de nossas vidas, principalmente no que se refere a sua utilidade na ativação de equipamentos eletrônicos (HIBBERT, 1993; PETROVIC, 2021).

Figura 1 – Marca-passo é um dispositivo de aplicação médica, que funciona por meio de pilhas ou baterias, que envia impulsos elétricos ao coração para mantê-lo batendo regularmente, salvando a vida de muitas pessoas. Sua implantação é um dos procedimentos mais comuns de cirurgia de coração.

Onde Tudo Comerçou

Embora seja verdade que não temos certeza de quando a eletricidade se originou, temos registros que na Grécia antiga, alguns séculos antes da era cristã, que o filósofo Tales de Mileto (640-546 a.C.) foi provavelmente quem primeiro constatou que o âmbar (Figura 2) ao ser atritado – a lãs ou peles – , adquiria a propriedade de atrair corpos leves, como fragmentos de palha. Foi do âmbar, inclusive, que se originou a palavra eletricidade, visto que no grego essa resina era conhecida com o nome de “elektron” (O’GRADY, 2021).

Figura 2 – O âmbar é uma resina fóssil muito usada para a manufatura de objetos ornamentais. Por conta de sua beleza, é uma substância que, desde tempos ancestrais, fascina o Homem.
Foto: Reprodução / Ambar Original

Figura 3 – Ilustração de Tales de Mileto.
Foto: Reprodução / Domínio público / “Illustrerad Verldshistoria Utgifven av E. Wallis. Volume I”: Thales

Além disso, perto da antiga cidade grega de Magnésia, onde estavam as chamadas pedras de magnésia, que incluíam a magnetita, os gregos observaram que pedaços deste material eram atraídos uns pelos outros e também por pequenos objetos de ferro (CINDRA; TEIXEIRA, 2005). Todavia, foi o filósofo grego Teófrasto (374-287 a.C) quem primeiro estabeleceu em um tratado que outras substâncias têm esse mesmo poder, registrando assim o primeiro estudo científico da eletricidade e confirmando com rigor que as propriedades observadas por Tales não eram exclusivas do âmbar.


Somente após mais de dois milênios, em 1660, o físico alemão Otto von Guericke (1602-1686) foi capaz de inventar uma máquina capaz de produzir eletricidade, que consistia numa esfera de enxofre dotada de um eixo e um dispositivo mecânico que permitia imprimir-lhe um movimento de rotação. Quando friccionada com algum material – a mão seca, por exemplo – a esfera tornava-se eletrificada e produzia pequenas faíscas, atraía gotas de água, fragmentos de palha etc (GUEDES, 2000; TOLENTINO; ROCHA-FILHO, 2000).


No decorrer da história, outros cientistas fizeram descobertas extraordinárias sobre a eletricidade, tais como Benjamin Franklin (1706-1790), que demonstrou a natureza elétrica dos raios e Charles Coulomb (1736-1806), do qual se originou o Coulomb: unidade de medida da Carga Elétrica (ASSIS, 2010).

Galvani e a Eletricidade

Na segunda metade do século XVIII, Luigi Galvani (1737-1798), professor de anatomia na Universidade de Bolonha (Itália), onde havia se formado em 1759 como médico e filósofo, estava estudando os efeitos da descarga elétrica
atmosférica (GALVANI, 1841).

Um dos primeiros experimentos com relação à eletroquímica foi realizado por Luigi Galvani em 1786. Um dia, em seu jardim, ele prendeu ganchos de latão entre a medula espinhal de um sapo dissecado e uma grade de ferro. Para seu espanto, as pernas do sapo começaram a se contorcer violentamente, não apenas quando um relâmpago brilhou, mas também quando o céu estava calmo. Galvani optou por interpretar essa observação incorretamente) como “eletricidade animal” (WHITTAKER, 1989). Seus artigos sobre o assunto acenderampesquisas entre os cientistas de elite da Europa, inspiraram “palestras” de pseudociência e até influenciaram obras de ficção do século 20, como os filmes de Frankenstein (BRESADOLA, 1998; KIPNIS, 1987).

De Alessandro Volta e a Eletroquímica Moderna

Foi no ano de 1800 que Alessandro Giuseppe Anastasio Volta (1745-1827) publicou o histórico artigo On the electricity excited by the mere contact of conducting substances of different kinds, no qual anunciou sua invenção da pilha voltaica, a primeira bateria elétrica moderna (VOLTA, 1800).

Volta construiu a pilha voltaica para contestar a afirmação de Galvani que os animais seriam capazes de produzir eletricidade. De acordo com Volta, os resultados de Galvani vieram do uso de dois metais diferentes conectados por um condutor úmido (a perna de uma rã). Volta reproduziu essa configuração em sua nova invenção, que consistia em pares de discos de zinco e prata conectados por papelão embebido em salmoura (Figura 6) (PICCOLINO, 1997).

A fantástica publicação impressionou até mesmo o então governante da França, o imperador Napoleão Bonaparte, que chegou a servir como assistente de laboratório de Volta em novembro de 1801. Enquanto Volta descrevia suas recentes descobertas sobre eletricidade para o Instituto Nacional Francês, o encantado Napoleão as demonstrava em uma pilha voltaica. Como um diplomata astuto, Alessandro Volta garantiu o patrocínio de Napoleão Bonaparte para promover sua ascensão à fama como especialista em eletricidade. Reciprocamente, o político ajudou sua própria causa, apresentando-se como uma figura de proa nacional e também científica (FARA, 2009).

Os predecessores de Volta, incluindo o já mencionado polímata estadunidense Benjamin Franklin, estudaram o que hoje é chamado de eletricidade estática. A novidade da pilha voltaica é que o seu funcionamento partia de uma corrente elétrica contínua e, assim, abriu duas novas áreas de estudo: a produção química de eletricidade e os efeitos da eletricidade sobre os produtos químicos, ou seja, a eletroquímica e eletrólise modernas (PETROVIC, 2021).


“Continuo acoplando uma placa de prata com uma de zinco, e sempre na mesma ordem … e coloco entre cada um desses pares um disco umedecido. Continuo formando uma coluna. Se a coluna contiver cerca de vinte desses pares de metal, ela será capaz de dar aos dedos vários pequenos choques.”

– Alessandro Volta


Ao explicar sua teoria, que ele mesmo chamou de teoria do “contato” da eletricidade, Volta publicou uma das primeiras séries eletromotrizes, que classificava os metais e outras substâncias de acordo com a intensidade de seus efeitos elétricos. A classificação de Volta tinha uma semelhança impressionante com as tabelas de afinidade que os químicos vinham organizando há anos (KIPNIS, 2003).


Humphry Davy (1778-1829), um cientista autônomo de Londres, argumentaria em sua teoria elétrica das afinidades químicas que as descobertas de Volta não eram coincidências, no início dos anos 1800. Davy aprimorou o projeto da pilha voltaica e de forma surpreendente descobriu os elementos K, Na, Sr, Ba, Ca e Mg. Apesar desse feito extraordinário, a maior conquista de Davy foi provavelmente o fato dele ter introduzido seu aluno, Michael Faraday (1791-1867), ao campo da eletrólise. Em suma, Faraday é considerado um dos cientistas mais brilhantes da história da humanidade. Durante os anos 1833-1836, Faraday descobriu as leis da eletrólise, incluindo a proporcionalidade entre a massa do produto depositado durante a eletrólise e a corrente passada (LEFROU; FABRY; POIGNET, 2012).


Em 1836, um químico britânico, John Frederic Daniell (1790-1845), descobriu a célula de Daniell, que é uma bateria de dois compartimentos e é o principal exemplo de bateria eletroquímica dado em muitos livros didáticos. A descoberta de Daniell partiu de sua tentativa em eliminar o problema da produção de gás hidrogênio da pilha voltaica e por isso desenvolveu uma célula eletroquímica que consistia em um pote de cobre preenchido com uma solução de sulfato de cobre (II), no qual ele imergiu um recipiente não vidrado voltado para a terra cheio de ácido sulfúrico e um eletrodo de zinco (LEFROU; FABRY; POIGNET, 2012).

Nos anos seguintes, a eletroquímica estava consolidada e passou a ser estudada com mais profundidade, o que gerou muitos avanços na compreensão de seus fenômenos. Os experimentos realizados por cientistas como Svante August Arrhenius (1859-1927) e Walther Hermann Nernst (1864-1941), em 1889, descreveram por meio de uma equação a dependência das taxas de reação da temperatura e elaboraram uma interpretação geral da termodinâmica do processo eletroquímico (MUIR, 1895).


Em anos mais ‘recentes’, o famoso inventor americano Thomas Edison (1847-1931) fundou em 1901 a Edison Storage Battery Company e em 1914 com seus colegas de trabalho inventou a bateria de níquel/ferro com soda cáustica como um líquido. Nikola Tesla (1856-1943), outro famoso inventor sérvio-americano, trabalhou para Edison em Paris e na América mesmo diante do curioso fato de possuírem um mau relacionamento entre si. Um dos motivos para isto, foi o uso de corrente alternada. Tesla era um defensor disso, enquanto Edison acreditava que a corrente contínua era mais segura e prática. Logo, Tesla encontrou outro patrocinador para sua pesquisa e pediu demissão. Ele conseguiu patentear seu sistema de corrente alternada polifásica em 1888 (CHENEY, 2011).


A eletroquímica não parou e é considerada um dos campos da ciência de mais rápido e amplo desenvolvimento. Investigações prósperas, a exemplo dos materiais semicondutores desenvolvidos a partir dos estudos desenvolvidos por Heinz Gerischer (1919-1994) representam o que há de mais avançado na eletroquímica moderna (GERISCHER, 1990).


Com fundamento, embora os cientistas eletroquímicos atuais não sejam mais nomes familiares, a eletroquímica tem indiscutivelmente uma função de ponte na ciência e nas aplicações industriais e está na base de todas as ciências modernas, das ciências dos materiais e da química teórica à bioquímica e medicina. Uma ampla faixa de pesquisa eletroquímica ainda tem um grande impacto no mundo, e os principais prêmios científicos em eletroquímica agora são concedidos por trabalhos em biologia / medicina e energia. Sem a observação de Galvani, a pilha voltaica poderia não ter sido produzida e nossa vida cotidiana seria totalmente diferente. Galvani certamente ficaria surpreso com o impacto subsequente de seus primeiros estudos sobre pernas de rã, e para onde esses resultados saltaram nos últimos 220 anos.